07 de Janeiro 2025
Janaina, missionária da Comunidade Shalom, testemunha como um gesto de amor e misericórdia a salvou de si mesma, colocando em doação a um enfermo que antes vivia em situação de rua.
De acordo com nosso Fundador, Moysés Azevedo, “existe um princípio evangélico que diz que os pobres são uma espécie de vigários de Cristo porque Jesus se esconde neles e através deles o Senhor se manifesta a nós”. E ainda, nosso querido Papa Francisco afirma que os pobres são protagonistas do anúncio do Reino de Deus, juntamente com Jesus, e também que estas pessoas são o passaporte para o paraíso.
Ou seja, o próprio Cristo pode ser encontrado na pessoa do pobre. É isto que a Promoção Humana da Comunidade Shalom toca constantemente. E nós, Missão Aracaju, experimentamos de forma ainda mais concreta com os últimos acontecimentos.
Socorrer um amigo
Messias, como era conhecido por nós, vivia nas proximidades do Centro de Evangelização (CEV) e também das casas dos missionários da Comunidade de Vida, o víamos diariamente. Por diversas vezes, fomos parados por ele para ajudá-lo, responder alguma pergunta ou somente para bater um papo sobre o dia.
No dia 15 de novembro, realizamos a segunda ação do Dia Mundial dos Pobres na Missão, e ele foi um dos primeiros a chegar. “Quero garantir meu banho, o corte de cabelo e minha comida” ele dizia. Nos momentos iniciais da ação, ele estava feliz, dançante e ficou nas primeiras cadeiras. E lá ele ficou, na animação e adoração.
Minha amizade com ele foi selada neste mesmo dia, quando o levei para uma consulta odontológica, na qual prometi a ele, diante da dentista, que iria com ele ao Hospital onde ela atende, pois o que ele precisava não teria como resolver naquele dia. Ele não entendeu, pois achava que seria rejeitado. Então repeti: “eu vou com você lá, é seu direito receber atendimento de saúde. Confie em mim, eu vou com você e ninguém irá te negar nada!”.
No fim daquele dia, ele já de banho tomado, roupas novas, cabelo e barba feitos e “bucho cheio”, ele me puxou e disse “obrigado por hoje, eu senti amor com vocês pela primeira vez!“
Amar como o Pai nos ama
Aquilo ficou em minha memória, era um dia agitado, estava passando por várias realidades e desafios, mas com aquela afirmação e naquele sorriso, vi Cristo. Todo sacrifício encontrava sentido, era para Cristo!
Dias se passaram, fui atrás dele para irmos ao Hospital resolver o caso odontológico, porém ele havia sumido. Até que um dia, outro amigo pobre foi ao Centro de Evangelização e disse que ele tinha sofrido um acidente e estava em um hospital público da cidade. Era dia de um grande evento em nosso CEV, então, assim que pude, fui até o hospital para confirmar a informação.
Ao chegar lá e falar com a Assistente Social, ela me levou até a UTI, tirou uma foto dele, o reconheci e, logo depois, voltamos para a sala dela para falar sobre a situação dele e me apresentar melhor como missionária Shalom.
Evangelizar no ordinário e no extraordinário da vida
No dia seguinte, primeiro domingo do Advento, fui acompanhada do meu namorado para a primeira visita. Lembro de estar muito nervosa e preocupada, minhas mãos tremiam, a ansiedade batia forte. Quando entramos, não sabia como reagir. Chorei ao fazer o sinal da cruz em sua fronte e ali fiquei um bom tempo.
O mesmo aconteceu durante os dias seguintes, pois quase todos os dias ia para visitar, falar com os médicos e com a Assistente Social. Também solicitei ao capelão do hospital para ir lá dar a extrema unção e, em outro momento, falamos sobre o batismo dele.
Messias vinha de uma realidade familiar onde os pais já eram falecidos e os irmãos também viviam em situação de rua, então, muito provavelmente, ele nunca tenha recebido nenhum sacramento. Por isso, o sacerdote local me autorizou a batizá-lo. E assim fiz, em um momento vivido somente entre mim e ele.
Mateus 25,39
Lembro que nas visitas eu sempre fazia carinho, zelava pela higiene, questionava os plantonistas sobre como ele evoluiu e sobre os exames pendentes. Eu sempre pedia para ela apertar minha mão, pois, como ele estava em coma induzido, ele apenas nos ouvia e sentia, e esta era a forma dele em se comunicar. Algumas vezes, quando ia embora, ele chorava, apertava minha mão ou se mexia.
E assim foram passando os dias, outros irmãos foram visitá-lo na UTI, praticamente todos os dias ele recebia a visita de algum missionário da Comunidade. Tal fato era marcante para a equipe médica, pois eles viam como nos importavam com ele e como ele era querido e amado por nós.
“Você não está sozinho, Messias. Nós somos sua família”, era o que sempre dizia a ele.
E quando ele acordou, após dias e dias sedados, e viu que quem estava com ele éramos nós, da Comunidade, se emocionou e esboçou um sorriso.
Ao sair do coma induzido, seguíamos com as visitas e também sempre falávamos com os amigos dele que seguem em situação de rua, mostramos fotos dele e como estava evoluindo. Até que um dia, eu estava lá quando chegou a médica com uma novidade: Messias terá alta da UTI e irá para a enfermaria. O abracei, repeti para ele a informação e dava pulos de alegria por saber que ele estava melhorando.
Shalom é carregar a paz dentro de si
Até que chegou o dia em que ele, de fato, foi para a enfermaria. Acompanhei após a transferência e passei este primeiro dia dele no novo local. Neste dia, falando com o enfermeiro, entendi como a presença da Comunidade Shalom no hospital a serviço do Messias era uma Evangelização e uma mensagem de esperança em atos concretos. O enfermeiro me disse: “quando você me disse que era missionária, pensei que fosse de outra religião, mas agora que entendi que você é Shalom, sei que você vem trazer a paz a ele e também a nós. Eu amo o Shalom.”
Depois, expliquei para uma familiar de outro enfermo que dividia o quarto com ele sobre a Comunidade, ela se encantou. “Mas até os doentes vocês evangelizam?” E fui explicando e falando sobre a pessoa de Jesus, porque era importante estar com o Messias sempre, e que para nós não éramos um serviço, mas um ato de amor.
A notícia do céu
Dias depois deste dia, meu namorado estava lá para uma visita, porém ele não estava no quarto. Tinha sido transferido para outra ala, e depois o médico foi conversar e dar o comunicado de que o Messias havia falecido.
Era a notícia que não queríamos receber, foi um choque, ficamos arrasados, não sabíamos como seria. Mas, ao mesmo tempo, havia uma paz, pois neste tempo, Messias recebeu dois sacramentos, foi evangelizado, socorrido e muito amado, o que comprova que o “amar, socorrer e evangelizar” não é slogan da Promoção Humana, mas verbos de ação que a Comunidade Católica Shalom exerce com esses nossos amigos.
Messias foi amado e deixou marcas na Missão Aracaju. Por fim, ele ainda teve um velório e sepultamento decente, não foi um indigente. Até porque ele é nosso amigo e teve tudo de melhor que pudemos proporcionar. Mesmo que de forma simples e singela, foi cheia de amor, esperança e paz. Afinal, acreditamos que o céu é logo e que nosso amigo Messias está com Nosso Senhor.
Messias morreu no dia de Santo Estêvão, e me mostrou, de forma particular, que, assim como o martírio de Estevão, marcou um novo tempo para o anúncio e propagação do Reino. A páscoa do Messias marcaria um novo tempo, em especial, ao Ministério de Promoção Humana da nossa Missão, e com certeza, por meio disso, germinou em nossos corações um novo ardor missionário de socorrer cada vez mais os mais vulneráveis, pois estando com esses, estamos com o próprio Cristo.
Por: Janaina Teixeira de Souza – Postulante Comunidade Aliança | Promoção Humana – Aracaju